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Sobre o Direito e a Inteligência Artificial (e Robótica) - Parte I


Imagem do filme "I, Robot"

Como grande interessado em literatura de ficção, lembro que foram os contos do livro “Eu, Robô”, de Isaac Asimov, que pela primeira vez me fizeram pensar na intersecção entre o Direito e a tecnologia da Inteligência Artificial (IA). Na época, estudante de direito, ficava pensando nas Leis da Robótica[1] e como, obviamente, elas nunca sairiam do plano ficcional. Imaginar que a humanidade, em algum determinado momento de sua existência, precisaria desenvolver leis e regras para lidar com entidades de inteligência equivalente e/ou superior, criadas pelo próprio homem, parecia algo restrito aos livros de Asimov.

Com o passar dos anos percebi que eu estava errado – talvez muito errado.

Essa incredulidade, que acredito também compor o pensamento da maior parte de vocês que estão lendo esse texto, é explicada por uma teoria cunhada pelo estudioso Raymond Kurzweil – a Teoria das Mudanças Aceleradas[2]. Conforme disse esse futurista[3], que construiu sua teoria em cima da Lei de Moore[4] (uma lei estranha ao mundo jurídico), o progresso tecnológico avança em nível exponencial – o que é difícil de enxergar com o nosso mindset tradicional.

Para bem ilustrar isso, gosto muito do exemplo utilizado pelo escritor e jornalista Tim Urban[5]: se trouxéssemos para os anos 2000 uma pessoa de 1750, ela ficaria em choque ao ver o avanço tecnológico dos últimos 250 anos. Contudo, caso essa pessoa quisesse se vingar do susto que teve e levar alguém dos anos 1500 para a sua época, acabaria frustrada, pois a surpresa desta última seria absurdamente menor. Para conseguir o mesmo efeito que teve ao vislumbrar os anos 2000, possivelmente essa pessoa de 1750 teria que buscar alguém de milênios atrás.

E é isso que ocorre quando tentamos imaginar se algum dia nós criaremos uma IA capaz de atingir o mesmo nível da inteligência humana, ou superior. Tenho certeza que a maior parte de vocês acredita que isso até pode acontecer em algum momento de nossa historia futura, mas certamente não estarão vivos para ver. Eu também pensava assim, até perceber que eu era a pessoa dos anos 2000, esperando que a velocidade do progresso tecnológico dos anos que vivi fosse a mesma nos anos que não vivi ainda – um grave engano.

Ainda que eu quisesse muito adentrar em uma discussão apocalíptica sobre o futuro da IA e da raça humana, vou pisar no freio aqui, afinal, quero levar essa discussão para um outro rumo, mais pragmático e menos suscetível de assustar meus clientes.

O que eu pretendo com essa série de textos é mostrar que o uso da IA e da Robótica, ou mais especificamente os seus reflexos no mundo jurídico, já deveriam estar sendo amplamente discutidos e até mesmo regulamentados. Para que eu não seja injusto em minha escrita, devo dizer que já existem algumas iniciativas nesse sentido. Vejam que na União Europeia, por exemplo, a representante de Luxemburgo no Parlamento europeu, Mady Delvaux, encaminhou uma proposta de regulamentação acerca dos aspectos legais civis relacionados ao uso de IA e da Robótica[6].

Nessa proposta europeia, que futuramente analisarei com maior detalhamento, foram trazidos à discussão temas como: a criação de uma personalidade civil exclusiva para robôs inteligentes; a criação de um fundo garantidor para acidentes envolvendo estes robôs; a necessidade de se criar um registro geral europeu de robôs para rastreamento; o grau de responsabilidade de desenvolvedores, empresas e usuários; e até mesmo um código de ética para os desenvolvedores de softwares e hardwares na robótica. Para minha surpresa, as leis da Robótica do Asimov são citadas para a reflexão dos parlamentares e juristas europeus.

Portanto, aquilo que eu achava que jamais sairia do plano ficcional, agora encontra-se em uma proposta legislativa europeia. Uma grata surpresa que, ao mesmo tempo, me traz uma certa inquietude. Será que o Direito estará preparado para lidar com a intervenção da IA e da Robótica em nosso dia-a-dia?

Nós, do mundo jurídico, sabemos que a Teoria das Mudanças Aceleradas não tem vez no Direito. É muito difícil uma evolução exponencial da ciência legal, pois isso pode afetar aquilo com que os juristas mais se preocupam – a segurança jurídica. No entanto, como estamos sempre correndo atrás dos avanços da sociedade, talvez dessa vez, apenas dessa vez, possamos pensar um pouco a frente para nos prepararmos para esse futuro permeado pela IA e pela Robótica. Esse é o propósito dessa série de textos.

No próximo texto, falarei um pouco sobre os conceitos de IA e robótica – do ponto de vista de um leigo tecnológico, afinal, ainda sou um advogado (humano).

[1] 1a Lei: Um robô não pode causar mal um ser humano ou, por inação, permitir que um ser humano venha a sofrer algum mal;

2a Lei: Um robô deve obedecer as ordens que lhe são dadas pelos seres humanos, exceto quando tais ordens entrarem em conflito com a 1a Lei;

3a Lei: Um robô deve proteger a sua própria existencia, desde que tal proteção não entre em conflito com as 1a e 2a Leis;

Lei zero (válida acima de todas as outras): Um robô não pode causar mal à humanidade ou, por inação, permitir que a humanidade venha a sofrer algum mal;

[2] “An analysis of the history of technology shows that technological change is exponential, contrary to the common-sense “intuitive linear” view. So we won’t experience 100 years of progress in the 21st century — it will be more like 20,000 years of progress (at today’s rate). The “returns,” such as chip speed and cost-effectiveness, also increase exponentially. There’s even exponential growth in the rate of exponential growth. Within a few decades, machine intelligence will surpass human intelligence, leading to The Singularity — technological change so rapid and profound it represents a rupture in the fabric of human history.” (Raymond Kurzweil - http://www.kurzweilai.net/the-law-of-accelerating-returns).

[3] Futuristas: cientistas, das mais variadas áreas, que fazem previsões do futuro com base em análises de padrões, de tecnologias, de dados qualitativos e quantitativos.

[4] Foi uma constatação feita em 1965 por Gordon Moore, fundador da Intel, que percebeu que a velocidade de processamento de computadores duplicaria a cada ano, haja vista o desenvolvimento tecnológico dos componentes utilizados, que ficavam cada vez menores e menos custosos.

[5] http://waitbutwhy.com/2015/01/artificial-intelligence-revolution-1.html

[6] Documento nº 2015/2103 INL – disponível em: http://www.europarl.europa.eu/sides/getDoc.do?pubRef=-//EP//NONSGML%2BCOMPARL%2BPE-582.443%2B01%2BDOC%2BPDF%2BV0//EN

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